domingo, 4 de maio de 2014

Abandonado.

Foto Inês Mendes

Abandonado.
De manhã, bem cedo, desperto com um toque entre o suave e o abanão forte:
- Abandonaste-me. Já nem me ligas. Há quanto tempo não me visitas. Andas a fugir de mim, mas o que é que se passa contigo?
Espantado, surpreendido, sem perceber o que se estava a passar, julguei estar a meio de um sonho.
- Abandonei-te! Mas que raio de conversa, o que é que se passa?
- Que se passa digo eu?! Já não teclas para mim. Cinco anos a visitar-me e, de repente, uma longa e inexplicável ausência. Será que não tens nada para me dizer, para dizeres, é assim que vês uma relação. Acaso terei sido mais um devaneio passageiro e temporário, pensas que isto pode acabar assim.
- Mas que coisa, afinal, quem és tu, o que queres de mim. Relação, mas qual relação, não estou a perceber nada. Vens chatear-me no escuro, na penumbra dos sonhos, como queres que te reconheça? Não sei que te diga…
- Já não tens nada para dizer, é isso que me queres impingir, nessa não acredito, conheço-te há muito e sei que a tua cabeça fervilha com mil ideias, com milhares de coisas para falar e partilhar. Trabalhas muito, não tens tempo, não me vais abandonar, as desculpas do costume. Ingrato. E os teus amigos, os teus leitores, agora que tinhas um número alargado e razoável de visitas regulares, desapareces. Como é possível. Têm-me perguntado por ti, há dias, o Filipe enviou um e-mail, em que dizia:”Se te tinhas rendido, se tu também te calavas”. Sabes uma coisa, para além do mais, tenho muitas saudades do teu teclar, dos teus dedos poisando em mim, dos arrepios na página, dos gritos de revolta, do apelo à consciência, da denúncia, do prazer da tua escrita, enfim, sentir-me acompanhado, sentir que confiavas em mim e desabafas contra a corrente, contra os pseudo bem pensantes. Ainda não sabes quem sou? Se depois disto não me reconheces, nem sei que te diga, será melhor acabar tudo entre nós, definitivamente, não suporto mais esta ausência, esta ingratidão.
- É fácil falar, dizeres que sentes a minha falta, que te abandonei, que temos uma relação. Se tu és quem eu suspeito, sabes bem que escrevo apenas por prazer, quando dá jeito, sem compromissos nem obrigações. Mas fica sabendo que não te abandonei, nem tenciono abandonar tão depressa, mas o tempo e os dias não esticam, com muita pena minha, diga-se de passagem.
- O tempo! Não me venhas com essa do tempo. Tens minutos para tanta coisa. Os amigos, o amor, a amizade, a luta, não têm tempo, nem horas. Desculpas vãs. Andas a trabalhar muito, a ler muito e, depois, não sobra nada. Sobra a minha solidão e abandono, o meu desconsolo.
- Estás a ir longe de mais, “porra”, não me chateeis, isto está difícil, procuras-me pela manhã, mal acordo, e que queres que te diga, que queres que faça, que te mande dar uma volta, que me deixes em paz, é isso que queres?
- Não te irrites,não fiques assim (Numa voz muito doce e suave), só quero que me digas que voltas, que vais voltar, que voltaremos ao convívio regular, é tudo isto e só isso que quero, o carinho e afago da tua escrita. E não te zangues, faz-me um favor, senta-te aqui, bem aconchegadinho, bem junto de mim, jura-me que continuaremos a teclar juntos. Jura!


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